Capitulo II
Era o acordar de um fim de tarde tangido de amarelo e laranja. Os olhos redondos se abriram úmidos. De braços abertos ela se estendia naquele chão quase sólido-líquido-gasoso, que não conseguia entender.
Era tudo embaçado como no sonho mais bonito que tivera. Sentou-se e viu. Para além de onde estava havia todo um mundo amarelo opaco e laranja, algum branco talvez.
Havia montanhas, lagos, florestas, planícies e estepes, mas nada disso condizia com a realidade da menina. Era tudo como aquele chão em que estava sentada, de aparência impalpável.
Levantou-se, os cabelos tão leves que flutuariam se não estivessem grudados à cabeça. Caminhou e caminhou em busca de respostas. Que lugar era ali? Que realidade era essa? Qual o gosto de si mesma?
Essa última pergunta, estranha, pairava na consciência de forma confusa. Não o gosto gustativo, que se pudesse escolher seria morango. Mas sua essência de viver.
Seria sua vida azeda e suculenta como um morango? Pensou no fato de nunca conseguir evitar as caretas que fazia toda vez que mordia um morango, mesmo quando estava muito bom. Ah sim, sua vida era uma sucessão de caretas nas horas erradas.
E sob seus pés passavam as horas, passavam os sonhos. Passavam as Nuvens.
Quando o amarelo envolvente começou a enegrecer, a menina começou a ouvir o som de água. Ás suas vistas, uma floresta inteira feita de vapor de nuvens. Uma bela floresta sob as estrelas nítidas do céu sobre o céu das nuvens.
Seus pés a guiaram rumo ao som, pelas árvores de copas sombreadas e grama branca úmida, até uma clareira ampla.
Ali uma cachoeira invertida surgia de um vão na nuvem, subindo magistral com uma água límpida, quase na cor do gelo. No ponto mais alto em que podia chegar ela se evaporava e o vapor disforme ia-se espalhando pelo céu. E ao descer formava todo aquele mundo de nuvens.
A menina caminhou para fora das árvores, para dentro da clareira e dali viu, tão próximo da nascente da cachoeira, um rapaz cujos olhos tão chuvosos pareciam se misturar com o movimento das águas.
“Boa noite” ele sussurrou com ares de surpresa.
E sua voz ecoou como vento no rosto da menina.
Crônica das nuvens... continua...