Capítulo I
Eu nunca entendi bem de física ou química. Não sei qual é a média de vida de uma nuvem. Talvez um dia quando fica pesada e se acaba em chuva. Ou um mês vagando num deserto. Não sei.
A única coisa que sei é que a nuvem dessa história durou tempo suficiente para merecer uma crônica.
Tudo começa num início de tarde. A chuva caia torrencialmente enquanto a menina dentro de casa lia um livro ao lado da janela. A mãe pesquisava receitas no computador da sala.
As cinco em ponto, fim de tarde, parou a chuva. A menina se preparou para ligar as luzes, pois o sol deveria se pôr naquele momento. Mas o vidro refletia uma luz laranja nas páginas de seu livro.
E ao lado da janela, num dia tão simplesmente ordinário ela contemplou as cores de um crepúsculo incomum, e o céu em chamas exibiu-se para seus olhos castanhos como o céu mais bonito do mundo.
De chinelo e baby doll branco, revirou a gaveta em busca da câmera fotográfica. Correu para fora e , ao passar pela mãe no computador tudo o que disse foi:
-Vou lá.
E não aguardou uma resposta. Ao parar no meio do asfalto molhado, as pernas respingadas de piche e talvez barro, inclinou o pescoço ao máximo que pôde e abriu os braços. Suas orbes iam-se enchendo de lágrimas naquele momento.
Por um instante a sensação de existência sumiu e, ali onde estava era um outro lugar que não a vida. Seu peito se esvaziou das preocupações do dia-a-dia.
O vento úmido, o som de sua respiração, os pássaros iam alçando vôo depois da chuva e sentia-se tão leve que se ficasse na ponta dos pés iria logo com eles.
A terra girava e só.
E as nuvens laranjas desciam rosadas até os braços abertos da menina. Num abraço gentil, tudo o que restava no asfalto era uma câmera molhada.
“Você sabe o que é aquela sensação de falta de um sentido, das noites mal-acordadas no escuro de sequer saber quem é você? É nesse momento, como se eu sentisse, que as nuvens finalmente viriam me levar para um outro lugar…”
Crônica das nuvens… continua…